segunda-feira, 28 de outubro de 2013
"Será muito triste ver a exumação de Jango", diz Maria Thereza
A gente envelhece e tchau. Sou muito vaidosa"
Como foi a sua infância?
Fui criada numa fazenda afastada de São Borja até meus quatro,
cinco anos. Era uma vida muito legal, ativa. Aprendi a andar cavalo
muito cedo. Nós éramos entre três irmãos. Eu sou a mais velha. Minha mãe
era italiana. Ela veio para o Brasil com oito anos. Meu pai era de
classe média. Tinha uma fazenda boa, mas não era rico. Ele sempre teve o
sonho de que eu estudasse fora, e foi o que aconteceu. Praticamente não
tive muita infância, porque com oito anos já estava no internato, o
Colégio Americano, em Porto Alegre, e só saí de lá com 17. Essa época
foi a melhor da minha vida.
Postagem: Paulo/Gazeta da Serra
A VIDA COM O MARIDO
Jango era um bom marido?
Era. Ele quase nunca estava em casa, né? Acho que por isso que
era um bom marido (risos). Se estivesse muito em casa, já não daria
certo.
A senhora tinha 17 anos quando se casou. Era cedo demais?
Sim, foi cedo. Outro dia uma jornalista no Rio fez várias
perguntas e me pediu para falar sobre uma loucura. Eu disse: casar com
17 anos.
Se pudesse voltar no tempo, faria diferente?
Só me arrependo de não ter seguido uma carreira. Gostaria de ter estudado Arquitetura.
Logo que se casou, a senhora ficou um tempo em São Borja e chegou a tentar o suicídio. Por quê?
Foi (risos). Mas foi coisa boba, de criança. Fiquei dois meses sozinha na fazenda. E foi um período bem difícil.
Encontrei no banheiro um monte de remedinhos para dormir e tomei
tudo aquilo. Fiquei em coma uns três ou quatro dias. Jango estava na
Bahia em campanha para vice-presidente. Voltou correndo e me levou para o
Rio.
A senhora costumava acompanhar o seu marido na política?
Um pouco. Quando ele foi candidato a vice, logo fiquei grávida do
João Vicente. Ia de vez em quando a Brasília com ele (a família morava
no Rio). Só quando Jango foi eleito é que passei a acompanhar as
senhoras de políticos em eventos.
Havia machismo?
Sim, mas eu também não gostava de política.
E de comícios, a senhora gostava?
Não. Tenho horror de multidão até hoje.
A diferença de idade entre vocês era motivo de preconceito?
Falavam muito mal de mim. Por ser jovem, diziam que eu tinha caso
com fulano, caso com sicrano. Tinha 20 e poucos anos e era um prato
feito. Fiquei sabendo de muita coisa depois.
É verdade que a senhora gostava de sair de limusine no Rio, com batedores e sirenes ligadas?
O Jango não gostava de batedores, mas eu gostava, sim. Quando
chegava de viagem e o meu carro ia me esperar no aeroporto, mandava
acender o botão. Eu gostava, fazer o quê. O Jango ficava louco comigo.
Eu passava na Avenida Atlântica com aquele barulho todo, e ele já sabia
que eu estava chegando. Achava lindo.
Fazia parte do glamour de ser primeira-dama?
Claro. Quando o carro parava, as pessoas me abanavam, pediam autógrafo, pediam beijo.
Ao lado de Neusa, irmã de Jango
MARÇO DE 64
A senhora participou do histórico comício da Central do
Brasil, em março de 1964, que antecedeu o golpe. O que recorda desse
ato?
Foi tudo muito tenso. Jango não estava bem de saúde, teve uma
queda de pressão, e já havia aquele clima horrível. Tinha uma ameaça de
bomba. Fui porque fiquei preocupada com ele.
A senhora tinha noção do que estava por vir?
Claro que sim. Ali já era o final. Várias pessoas pediram para
ele não fazer o comício, mas ele disse que não. ?Aconteça o que
acontecer, eu vou fazer?, ele disse. Aquele comício foi muito tenso.
Jango temia pelo futuro?
Sim. Ele já sabia o que estava por vir. Estava tudo mais ou menos
escrito ali. Por isso que ele fez o comício. Fazia tempo que eles (os
militares) já estavam preparando tudo.
VIDA NO EXILIO
O que foi mais difícil?
O mais difícil foi para o Jango, que não podia voltar. Eu voltei
para o casamento do meu irmão, da Ieda Maria Vargas (Miss Universo em
1963), voltei para ver meu pai, que estava doente. Mas é claro que
passei por vários constrangimentos. Fui presa. Até no casamento do meu
irmão, com uma menina que era neta do Flores da Cunha, fiquei num canto
sozinha. Foi um período difícil, mas procurei me adaptar ao exílio. O
Uruguai estava no auge. Punta del Este, aquela coisa toda. Trabalhava na
butique de umas amigas. Organizei a minha vida. Depois tivemos de ir
para a Argentina, aí foi toda aquela história de novo.
Vocês eram espionados por agentes da ditadura?
Tenho certeza que sim. Desconfiava até dos empregados. Aliás,
pensando bem, acho que eu é que estava certa. Jango dizia que eu tinha
mania de desconfiar das pessoas. Ninguém me dava crédito.
Jango sabia o que acontecia no Brasil? Das torturas, perseguições?
Sabia de tudo. Ele recebia muita gente em casa, gente que vinha
do Brasil. Ele não era muito de falar. Sofria muito para dentro.
Ele se arrependia de não ter reagido ao golpe?
Acho que não. Ele fez a coisa certa. Ele tinha certeza do que estava fazendo.
PRESENTE E FUTURO
A senhora conseguiu superar os traumas do passado?
Sempre penso para frente. Do passado, já vivi muita coisa. Tenho
meus dois filhos, meus oito netos, dois bisnetos e tem mais um chegando.
Faço o que gosto. Só gostaria muito de ter menos idade.
E financeiramente?
Até hoje não recebi a indenização pela anistia do Jango. Mas estou bem. Não sou rica, mas sou poderosa.
Como é a sua dieta?
Tenho o mesmo peso que sempre tive. Caminho muito e faço
ginástica. Mas não sou muito de dieta, não. Já fiquei três dias sem
comer, mas não fico mais. No máximo um dia, só com água e suco.
Quantas plásticas já fez?
Fiz uma, no rosto, e estou planejando outra.
Voltará a morar em Porto Alegre?
Pelo menos por algum tempo. Adoro Porto Alegre. Acho que é porque
passei aqui a minha adolescência, tenho muita coisa boa guardada. Além
disso, meu neto (Christopher Goulart) está esperando outro nenê, e quero
estar presente para o nascimento da minha bisneta, em novembro. Família
é uma coisa importante.
A BELEZA DE TETÊ
A senhora foi considerada uma das 10 mulheres mais bonitas do mundo pela revista Time. A beleza ajudou ou prejudicou?
Acho que fazia parte de um contexto. Ser primeira-dama do Brasil,
com um homem também moço, bonito. Eu com 20 e poucos anos. Ajudou um
pouco. Mas não dava muita importância para esse negócio. A história da
revista foi a seguinte: um fotógrafo dos Estados Unidos chegou ao Rio e
me convidou para tirar uma fotografia. Perguntei para que era. Ele
explicou que estava fazendo uma série de fotos de Jacqueline Kennedy,
Grace Kelly, e que queria fazer uma minha. Aceitei. A minha foi a mais
simples, sem nenhuma produção. Ele até me chamou de pantera brasileira.
E a história com Frank Sinatra?
Nessa entrevista que dei para a Time, disse que admirava muito o
Frank Sinatra. Foi aí que ele me mandou uma coleção de discos e uma
cartinha assinada. Primeiro eu pensei que era brincadeira. Todo mundo
começou a dizer que quem tinha mandado era o secretário dele. Mas não,
foi ele quem assinou.
É verdade que a senhora chegou a invadir uma reunião presidencial para mostrar a carta?
Foi. Estavam lá Tancredo Neves e outros ministros. Entrei e
disse: ?Olha aqui, o Frank Sinatra me escreveu!? Aí todo mundo ficou
olhando a carta. Sabia um pouco de inglês, mas quem leu mesmo foi o San
Tiago Dantas (ministro das Relações Exteriores). Na cartinha, ele dizia
que tinha lido a minha entrevista e me achado muito bela.
A senhora recebia cantadas?
Sinceramente, não. Havia um certo respeito.
A senhora, além de linda, passou a ditar moda anos 60. Como foi isso?
Eu tinha o Dener (estilista, morto em 1978). Um grande
profissional e meu amigo. Praticamente me assessorava em tudo. Ele
achava que eu tinha de aprender a caminhar, a descer escada, a sentar.
E o que mais ele lhe ensinou?
Quando eu chegava em um lugar onde tinha muita gente que não
conhecia e alguém vinha falar comigo, dizia: ?Ai, Dener, tem umas
pessoas que dizem umas coisas que eu não sei nem o que é?. Ele
respondia: ?Não precisa falar. Sorria. E sorria sempre?. Isso me ajudou
muito, em todas as ocasiões, inclusive nas viagens internacionais.
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